O Meteorito Bendegó: História, Mineralogia e Classificação Química.
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Autor: Wilton Pinto de Carvalho
E-mail: wilton@bendego.com.br
Dissertação de Mestrado
Salvador – Bahia - 2010

CAPÍTULO II

II. A IMPORTÂNCIA CIENTÍFICA DOS METEORITOS


Em seu âmago os meteoritos trazem marcas de cataclismas cósmicos como nano diamantes formados em explosões de estrelas denominadas supernovas e inclusões de cálcio e alumínio (CAI), primeiros sólidos a se condensar nos estágios iniciais de resfriamento da nebulosa proto-planetária. Foi esta origem violenta de alguns componentes meteoríticos, e os seus registros de um final cataclísmico para as grandes massas que impactaram a Terra, planetas e satélites, que levaram os cientistas a construir uma nova ciência, denominada meteorítica, para estudar esses fragmentos de rochas espaciais “em busca de nossas origens e talvez vislumbrar nossa possível aniquilação” (Norton 1994).

Ao atravessar a atmosfera terrestre, no final de sua longa jornada através do espaço interplanetário, os meteoritos carregam informações importantes sobre os efeitos da resistência do ar à passagem de corpos sólidos, e conseqüentes processos de aquecimento e ablação que os fazem brilhar e perder massa em sua feérica descida. Esses dados têm auxiliado projetistas de naves espaciais, aeronaves, e satélites, a aperfeiçoar o desenho desses equipamentos objetivando reduzir ao máximo a resistência do ar e ao mesmo tempo aumentar a proteção térmica das naves e objetos que necessitam retornar à Terra de forma segura.

Um tipo de meteorito, o condrito, é formado por grãos (chondros em grego) denominados côndrulos, sendo este o material mais primitivo do sistema solar. A concentração de seus elementos químicos é bem próxima dos números referentes à abundância dos elementos no Sol e no Universo. Como esse tipo de rocha não passou pelo processo de diferenciação, um grupo denominado Carbonáceos Ivuna (CI) é utilizado em geoquímica como parâmetro para normalização de elementos da série dos Lantanídeos (Elementos Terras Raras).

Por outro lado, os acondritos (sem côndrulos) são rochas diferenciadas com evidências de terem se originado a partir de um líquido de natureza condrítica. A variedade desse grupo de meteoritos e suas características particulares sugerem diferentes astros como fontes parentais. Nesse grupo de meteoritos estão incluídos os metálicos (Krot et al. 2005) que, acredita-se, representam porções do núcleo e da interface núcleo-manto de astros diferenciados que se fragmentaram.

Outra importante contribuição dessas rochas às Ciências da Terra são os resultados isotópicos, pois a geocronologia as identifica como o material mais antigo do Sistema Solar.

II.1 DEFINIÇÕES


A União Astronômica Internacional (IAU) define o termo meteoróide como “um objeto sólido movendo-se no espaço interplanetário, de tamanho consideravelmente menor que um asteróide, e consideravelmente maior que um átomo ou molécula”. Essa definição, assim como os conceitos para os termos meteoro, bólido e meteorito foram estabelecidos há mais de 40 anos, pela Comissão 22 da IAU, em sua XI Assembléia Geral realizada em 1961. A discussão levada a efeito na assembléia de 2006 sobre o reconhecimento de Plutão como planeta culminou com a emissão da Resolução B5 sobre a classificação dos astros do sistema solar em três categorias:
(a) Planeta,
(b) Planeta anão, e
(c) Pequenos corpos do sistema solar.

II.1.1 Planeta

Para ser classificado como planeta o astro precisa preencher três requisitos: (1) estar em órbita em volta do Sol, (2) ter massa suficiente para sua própria gravidade superar as forças de um corpo rígido, de maneira que ele assuma uma forma de equilíbrio hidrostático (quase redondo), e (3) ter limpado a vizinhança de sua órbita.

II.1.2 Planeta-Anão

Por sua vez, um planeta anão é um corpo celeste que preenche as duas primeiras condições estabelecidas para o astro ser considerado um planeta, mas que não conseguiu limpar sua órbita, nem é um satélite. Plutão foi rebaixado à condição de planeta anão porque sua órbita atravessa regiões povoadas por objetos do Cinturão de Kuiper.

II.1.3 Pequenos Corpos

Finalmente, todos os outros objetos celestes que orbitam o Sol e que não são classificados como planeta, planeta anão, ou satélite, integram uma categoria denominada “pequenos objetos do sistema solar”. Em nota de rodapé, a IAU esclarece na Resolução 5B que nessa última categoria está incluída a maioria dos asteróides e dos objetos transnetunianos, cometas e outros objetos pequenos, abstendo-se de emitir informações sobre o tamanho e constituição desses corpos.

II.1.4 Asteróides, Meteoros e Meteoritos

Nesta dissertação serão adotados os conceitos e definições para asteróide, meteoróide e partícula de poeira de Beech e Steel (1995). Esses autores sugerem limites no sistema métrico para distingui-los com base no diâmetro do corpo.

O limite superior adotado corresponde a 10 m de diâmetro, estabelecido com base no tamanho mínimo de astros detectáveis pelos telescópios do projeto Spacewatch. Por sua vez, o limite inferior sugerido é da ordem de 100 µm (0,1 mm), estabelecido com base no fato de que objetos menores não produzem o fenômeno luminoso denominado meteoro. Assim, Asteróides: objetos com mais de 10 metros de diâmetro, Meteoróides: objetos que têm entre 10 m e 100 µm (0,1 mm) de diâmetro, Partícula de poeira, objetos com menos de 100 µm (0,1 mm) de diâmetro. O termo meteoro é definido pela Organização Internacional de Meteoros (IMO) como o “fenômeno luminoso que resulta da entrada de uma partícula sólida, proveniente do espaço, na atmosfera da Terra”. Esta mesma definição é adotada pela União Astronômica Internacional (IAU).

Bólido é “um brilhante meteoro com uma magnitude visual de -4 (IMO) ou, uma definição para o mesmo fenômeno porém mais vaga: “brilhante meteoro com luminosidade igual ou superior a dos planetas mais brilhantes” (IAU). Esses dois termos, meteoro e bólido, relacionam-se à definição de meteoróide (Beech e Steel 1995).

As definições para o termo meteorito têm como ponto em comum o fato de uma massa sólida, de origem espacial, atingir a superfície da Terra. Segundo a IAU “meteorito é qualquer objeto definido como B (meteoróide) que alcançou a superfície da Terra sem haver se vaporizado completamente.
A IMO define meteorito como “um objeto natural de origem extraterrestre (meteoróide) que sobrevive à passagem através da atmosfera e atinge a superfície”. Combinando essas duas definições com aspectos mais específicos relacionados à composição química propomos neste trabalho a seguinte definição para meteoritos: Meteoritos são rochas de composição metálica e/ou silicática que originalmente orbitavam o Sol (meteoróides) e que sobreviveram à passagem pela atmosfera da Terra, logrando atingir sua superfície.

II.2 METEORITOS AO LONGO DA HISTÓRIA


Meteoritos chocam-se com a Terra desde os primórdios do Sistema Solar. Os registros mais antigos de quedas de meteoritos estão localizados em depósitos de calcário explotados no Sudeste da Suécia, de onde foram extraídos mais de 40 meteoritos fósseis intrudidos em sedimentos do período Ordoviciano, entre 450 e 480 Ma (Schmitz e Tassinari 2001). Quedas mais antigas ocorreram como demonstram estruturas típicas de grandes impactos identificadas nos quatro continentes e catalogadas em banco de dados mantido pela University of New Brunswki , Canadá (Earth Impact Database, 2006). De acordo com este banco de dados a estrutura de impacto meteoritico mais antiga, denominada Suavjarvi, está situada na Rússia e apresenta uma idade de 2,4 Ga (Mashchak et al. 1996). Outras 13 estruturas dentre as 176 catalogadas até novembro de 2009, revelaram idade igual ou superior a 1,0 Ga. O Brasil tem seis crateras reconhecidas e registradas por esse banco de dados: Araguainha (MT), Serra da Cangalha (GO), Anel de Riachão (MA), Domo de Vargeão (SC), Cerro do Jarau (RS) e Vista Alegre (PR).

O meteorito mais antigo preservado até o presente teve sua queda registrada em 19 de maio de 861. É uma rocha condrítica com 472g denominada Nogata (Fig. II.1A). Essa preciosidade tem sido guardada por 1.167 anos em uma pequena caixa de madeira, no Santuário Suga, distrito de Fukuoka, Japão (Norton 1994).

A segunda queda mais antiga cujos registros e o meteorito estão conservados ocorreu em 7 de novembro de 1492, cinco dias antes de Cristóvão Colombo chegar às Américas, e mais de 600 anos depois da queda da rocha de Nogata. O meteorito Ensisheim é também uma rocha condrítica, com peso original de 127 kg (Fig. II.1B). Fato curioso é que o imperador austríaco Maximiliano visitou o local 15 dias depois da queda, determinando que o meteorito fosse guardado na igreja. Ele considerou a queda do meteorito um bom augúrio às guerras que movia contra os franceses e os turcos, porém a cidade de Ensisheim, que no tempo de Maximiliano integrava o império austríaco, hoje é território francês (Norton 1994). Meteoritos também foram venerados como deuses na Grécia e na Itália. O fato melhor documentado refere-se a uma rocha de forma triangular que acreditava-se ter caído dos céus, adorada como deus (El-Gabal, Fig. II.1C) na cidade de Emessa, Síria, onde o imperador romano Heliogabalus nasceu. Ao se tornar imperador, Heliogabalus mandou transportar o “meteorito” para Roma, onde foi construído um grande templo para abrigar a rocha sagrada que passou a ser a divindade mais importante do Império Romano entre 218 e 222 EC. O destino desta rocha é hoje desconhecido (McCall et al. 2005).

Figura II.1.

Figura II.1. Fotos dos meteoritos, ou supostos meteoritos, de importância histórica. (A) Meteorito Nogata, o registro de queda mais antido (queda em 861) cuja amostra está preservada, e sua caixa. (B) Meteorito Ensisheim (queda em 1492). (C) Moeda do Imperador Romano Heliogaparus, e sua carruagem com o meteorito El Gabal. (D) Pedra negra da Kaaba, Meca. (E) Meteorito Siena (queda em 1794) e Abade Ambrogio Soldani. (F) Meteorito L´Aigle (queda em 1803) e Jean Baptiste Biot.

Outra rocha famosa, possivelmente de origem meteorítica, está preservada em Meca, na Arábia Saudita, cidade natal de Maomé (570-632 EC). A tradição mulçumana afirma que essa rocha preta foi trazida do paraíso pelo Anjo Gabriel e entregue a Abrãao quando ele estava construindo o santuário denominado Kaaba (Casa de Deus). Os mulçumanos dizem que não adoram essa pedra, mas a consideram um sinal visível de Deus e que o profeta Maomé recomendou tocá-la para que se estabeleça um contrato com Deus e se obtenha proteção no Dia do Julgamento. Vários historiadores árabes descreveram a rocha como sendo originalmente de cor branca e que seu escurecimento deu-se devido aos pecados dos homens (Dietz e McHone 1974). Esta relíquia recebe anualmente a visita de milhões de peregrinos de todas as partes do mundo em cumprimento a preceito religioso que os obrigam a ir àquele local, pelo menos uma vez na vida, se tiverem recursos para custear a viagem. (Fig. II.1D). A religiosidade impede estudos científicos que comprovem sua autenticidade como meteorito e os mulçumanos afastam esta possibilidade afirmando que a pedra não pode ser uma rocha terrestre ou meteoritica, já que se trata de material sobrenatural (Dietz e McHone 1974). A despeito das inúmeras discussões sobre sua origem, a rocha foi considerada por Kahn (1936) como um meteorito pétreo (aerólito) e está inclusa no Catálogo de Meteoritos (Prior-Hey 1953).

Na antiguidade e até o final do século XVIII os meteoritos eram associados a erupções vulcânicas, relâmpagos e trovões, haja vista o descrédito total que os estudiosos dedicavam a uma possível origem espacial para algumas rochas cujas quedas foram testemunhadas ou fragmentos compostos por uma liga de Fe-Ni que foram achados longe de qualquer ocorrência de depósitos de minério.

Apenas em 1794, um físico alemão chamado Ernst Chladni (1756-1827) decidiu publicar um livreto de 63 páginas intitulado “ Ueber den Ursprung der von Pallas gefundenen und anderer ihr ähnlicher Eisenmassen und über einige damit in Verbindung stehende Naturerscheinungen”, traduzido dois anos depois para o inglês sob o título “ On the Origin of the Pallas Iron and Others Similar to it, and on some Associated Natural Phenomena” (Sobre a Origem do Ferro Pallas e Outros Similares a ele, e sobre Alguns Fenômenos Naturais Associados), com explicações sobre uma provável origem espacial para uma massa de ferro e olivina (palasito) achada na Croácia em 1751 (Chladni 1794). Esse livro caiu como uma bomba no meio científico, angariando severas críticas ao seu conteúdo e autor. O próprio Chladni comenta seu crítico mais ferrenho, Georg Christoph Lichtenberg, escrevendo em 1819: “quando ele leu meu texto sentiu como se ele próprio tivesse sido atingido na cabeça por uma dessas pedras e, de imediato, desejou que eu nunca houvesse escrito aquilo”.

Alexander von Humboldt também criticou as idéias de Chladni escrevendo ao amigo Carl Freiesleben: “Definitivamente, leia o infame livro de Chladni sobre massas de ferro” (McCall et al. 2005).

Neste mesmo ano um bólido foi visto em Siena, Itália por volta das 19 horas de 16 de junho de 1794, em um dia do verão europeu. Sons semelhantes a tiros de canhão foram seguidos da queda de rochas, prontamente recolhidas, ainda quentes, por muitas pessoas (Fig. II.1E). O Frade Ambbrogio Soldani (1736-1808) escreveu uma dissertação demonstrando que as rochas que caíram em Siena não podiam ser vulcânicas, mas isto não foi suficiente para fazer os mais céticos crerem em rochas de origem espacial porque o vulcão Vesúvio havia entrado em erupção no dia anterior (McCall et al. 2005).

A queda seguinte aconteceu na Inglaterra na tarde de 13 de dezembro de 1795. Edward Topham, um respeitado juiz que morava próximo ao local do impacto investigou o fenômeno com seriedade, entrevistando testemunhas e presenciando a extração de uma rocha de 25 kg encravada em uma camada de calcário, a cerca de 33 cm da superfície. Topham tomou o depoimento, sob juramento, de duas testemunhas que estavam muito próximo do ponto onde o meteorito chocou-se com o solo: um pastor de ovelhas e um trabalhador rural, ambos empregados do magistrado. Os dois viram quando a rocha impactou o chão fazendo um buraco de aproximadamente um metro de diâmetro. Segundo escreveu o Juiz Thopham, o trabalhador rural (John Shipley) estava a menos de 10 metros do local do impacto e foi atingido pelo solo levantado pelo choque (McCall et al. 2005).

Embora a queda do meteorito Wold Cottage tenha sido visto por testemunhas tão eloqüentes e tenha sido investigado por um magistrado inglês, ainda não foi dessa vez que todos os cientistas mudaram de opinião quanto à origem dessas rochas, haja vista que uma grande tempestade com relâmpagos e trovões foi registrada naquele mesma tarde pelos habitantes da vila de Wold Newton, a cerca de 16 km do local da queda.

A evidência mais marcante sobre a origem espacial dos meteoritos surgiu na tarde de 26 de abril de 1803, nos arredores de L´Aigle, Normandia, França (McCall et al. 2005). Uma “chuva de pedras” com mais de 3 mil espécimes foi testemunhada por centenas de pessoas (Fig. II.1F). A Academia de Ciências da França designou um jovem físico chamado Jean Baptiste Biot (1774-1862) para investigar a ocorrência. Cético a princípio, embora levasse consigo amostras de meteoritos anteriormente coletados cuja estrutura e composição eram diferentes de qualquer rocha terrestre, Biot rendeu-se ao fato de que as rochas de L’Aigle eram de origem espacial haja vista três incontestáveis evidências:

(i) Estrutura similar às amostras coletadas em lugares e épocas muito distantes da ocorrência investigada;
(ii) Surgimento repentino de uma grande quantidade dessas rochas; e,
(iii) O grande número de pessoas de diferentes profissões e interesses que presenciaram a queda.
No ano anterior à queda de L’Aigle, o químico inglês Edward Howard (1774-1816) havia analisado quatro rochas provenientes de quedas meteoríticas ocorridas em diferentes locais da Índia e da Europa. Suas análises revelaram uma semelhança muito grande entre elas, e marcante diferença composicional e estrutural se comparadas às rochas terrestres.

Certamente, a publicação do ensaio de Ernst Chladni (Chladni 1794), os resultados das análises químicas de Edward Howard (Howard 1802) e a apresentação do relatório de Jean Baptiste Biot (Biot 1803) foram decisivos para o estabelecimento da meteorítica como uma ciência multidisciplinar que se apóia firmemente na geologia, petrologia, geoquímica, geocronologia, física, astronomia e metalurgia para estudar essas amostras geológicas de outros mundos, denominadas meteoritos.

II.3 PASSAGEM PELA ATMOSFERA E EFEITOS DO IMPACTO


Meteoróides e partículas de poeira cósmica ao penetrar a atmosfera terrestre enfrentam condições físicas capazes de aniquilá-los ou reduzir consideravelmente suas massas originais e fragmentá-los antes de atingir a superfície. Essas condições adversas são geradas pela resistência que a atmosfera oferece à passagem de um corpo sólido que se movimenta a uma velocidade acima de 12 km/s. Como conseqüência, a queda de um meteorito gera efeitos luminosos e sonoros. Seu impacto pode alterar a morfologia do local através da abertura de crateras, produção de ondas sísmicas, criação de ondas de choques e de radiação térmica (Norton e Chitwood 2008).

II.3.1 Velocidade

A Terra movimenta-se ao redor do Sol a uma velocidade de 29,9 km/s e os meteoróides atingem velocidades heliocêntricas entre 25 e 43 km/s (Norton 1994). Quando um meteoróide e a Terra chocam-se de frente essas velocidades são somadas, mas se ele estiver viajando em uma rota de perseguição à Terra seu contato com as camadas superiores da atmosfera ocorrerá a uma velocidade correspondente à diferença entre essas duas grandezas.

A velocidade heliocêntrica média dos meteoróides cuja entrada na atmosfera foi fotografada por um sistema de vigilância do governo canadense foi calculada em 38,2 km/s.

A intensidade dos efeitos da atmosfera sobre o meteoróide dependem principalmente de cinco fatores:
1) velocidade inicial de entrada do meteoróide;
2) densidade da atmosfera;
3) coeficiente de retardação (drag);
4) massa e área do meteoróide submetida à resistência do ar;
5) ângulo de entrada do meteoróide.

Além dessas variáveis, há de se considerar a constante referente à aceleração da gravidade que é de 11,2 km/s2. A redução da velocidade de entrada de meteoróides é diretamente proporcional ao coeficiente de retardação da atmosfera que varia de 0 a 1 conforme a altitude e indiretamente proporcional à massa e ao seno do ângulo de incidência. Com essas variáveis constroem-se modelos para simular a diminuição de velocidade para corpos de diferentes massas, velocidades de entrada e ângulos de incidência.

Assumindo uma velocidade de entrada de 24 mi/s (38,6 km/s), e ângulo incidência equivalente a 90º, Norton (1994), usando dados de Heide (1964), demonstrou em um gráfico a relação entre a massa e a perda de velocidade de um corpo após sua entrada na atmosfera (Fig. II.2). As curvas do gráfico demonstram que corpos originalmente com mais de 10t conseguem reter parte de suas velocidades cósmicas, enquanto meteoróides com massas de até 1t têm suas velocidades de entrada reduzidas a zero em altitudes acima de 10 mi (16,1 km), e sua queda continua apenas sob o efeito da aceleração da força de gravidade (queda livre). Isto reflete diretamente nos efeitos do impacto na superfície terrestre e que a massa original do meteoróide desempenha um papel importante nessa equação.

II.3.2 Ablação, Luminosidade e Perda de Massa

A uma altitude de 100 km, embora rarefeita, a atmosfera terrestre age como um poderoso escudo de proteção à passagem de corpos sólidos. À medida que a densidade atmosférica aumenta, a altitudes mais baixas, a resistência do ar torna-se maior, submetendo o corpo estranho a um processo denominado ablação onde a pressão e calor gerados são suficientemente altos para ionizar o ar e produzir luz, além de fundir a parte anterior do meteoróide, que passa a perder massa em sua descida incandescente.

Figura II.2.

Figura II.2. Gráfico da variação da velocidade cósmica do meteoróide ao entrar na atmosfera terrestre em função da massa inicial, velocidade e ângulo de entrada (Norton 1994, Heide 1964).

Figura II.3.

Figura II.3. Diagrama para estimativa da massa meteoritica que alcançará a superfície terrestre, considerando-se velocidades de entrada de 12 e 24 milhas/s, e massa inicial de 1 tonelada, a um ângulo de 45o (Norton e Chitwood 2008, Heide 1964).

Ao contrário da crença popular, os bólidos e meteoros não são bolas de fogo. Sua luminosidade deve-se ao atrito do meteoróide com a atmosfera que converte energia cinética em calor. Quando a temperatura na parte frontal do meteoróide supera os 1.500ºC, aproximadamente a 100 km de altitude, começa o processo de ablação (Norton e Chitwood 2008), isto é, partículas do meteoróide são arrancadas e lançadas para trás do corpo em movimento. Essas partículas ionizadas colidem com átomos da atmosfera produzindo uma camada de plasma que emite fótons devido à perda de energia à medida que o meteoróide tem sua velocidade reduzida (Beech 2006). Outra explicação para essa luminosidade é a combustão de determinados componentes químicos presentes no meteoróide devido à vaporização de partículas sólidas, resultando em cores diversas observadas na luz emitida.

A ablação é responsável pela perda de massa que os corpos provenientes do espaço experimentam ao adentrar a atmosfera terrestre. Cálculos demonstrados em gráfico por Norton (1994), baseado em dados de Heide (1964), indicam que um meteoróide de ferro com uma tonelada de peso, uma velocidade inicial de 38 km/s e um ângulo de entrada de 45° poderá perder até 45% de sua massa original antes de atingir a superfície (Fig. II.3).

A velocidade do meteoróide é o fator que mais influencia o processo de ablação. Os autores citados calcularam que o mesmo meteoróide adentrando a atmosfera terrestre a 19 km/s perderia apenas 13% de sua massa original.

II.3.3 Som

Testemunhas sempre relatam ter ouvido diversos tipos de sons logo após observar a passagem de um bólido. Esses sons, em sua maioria, são comparados a trovões, tiros de canhão, rajadas de metralhadoras e, em uma escala mais baixa, a zumbidos e farfalhar de folhas.

Sons do tipo estampido são decorrentes da brusca redução a zero da velocidade supersônica do meteoróide quando a pressão do ar é alta o suficiente para fragmentar a massa. Os zumbidos e outros sons de baixo volume são subsônicos e geralmente percebidos concomitantemente à passagem do corpo a baixa altitude.

A audição de sons relacionados à queda de meteoritos é um bom indicador da distância do local do impacto, geralmente situado dentro um círculo de 50 km de raio tendo como centro um dos pontos onde o som foi ouvido. Como o som tem uma velocidade muito inferior à da luz, sua audição ocorre segundos depois da extinção do brilho do bólido, todavia existem testemunhos de sons semelhantes a assovios ou chiados que ocorreram simultaneamente à fase luminosa do meteorito.

Esse fenômeno conhecido como “som eletrofônico” ocorre durante a passagem de grandes bólidos e, de acordo com o físico Colin Keay, resulta da produção de ondas de rádio na freqüência de 1 a 10 kHz. O som eletrofônico é produzido quando essas ondas de rádio colidem com algumas estruturas metálicas na superfície, como postes e torres de antenas, que agem como conversores de ondas eletromagnéticas em sons audíveis (Norton 1994).

II.3.4 Efeitos do Impacto

Os efeitos resultantes do impacto de um meteorito podem ser teoricamente calculados utilizando-se as seguintes variáveis, conforme modelo proposto por Collins et al. (2005), disponibilizado para simulações no site do Laboratório Lunar e Planetário, da Universidade do Arizona (http://www.lpl.arizona.edu/impacteffects/).

1. Velocidade de entrada na atmosfera.
2. Diâmetro do meteoróide antes de entrar na atmosfera.
3. Ângulo de incidência ao atingir a atmosfera.
4. Densidade do meteoróide.
5. Densidade da principal substância constituinte do alvo atingido.
6. Tipo de alvo atingido (rocha cristalina, rocha sedimentar, gelo, água).
De acordo com esse modelo, os possíveis efeitos do impacto de um meteorito são:
1. Formação de cratera.
2. Deposição do material ejetado.
3. Criação e propagação de radiação térmica.
4. Criação e propagação de ondas de choque.
5. Criação e propagação de ondas sísmicas.

A queda do meteorito Carancas em 15/09/2007 próximo ao Lago Titicaca, no Peru, abriu uma cratera com 13,5 m de diâmetro e 2,4 m de profundidade (Tancredi et al., 2009). Dezenas de pessoas viram o bólido e algumas presenciaram o impacto, cujos efeitos contrariam modelos que prevêem a fragmentação de meteoróides condríticos com mais 100 kg durante sua passagem pela atmosfera. A rápida desaceleração após a fragmentação, segundo os modelos vigentes, reduziria a velocidade dos fragmentos para um intervalo entre 100 e 300 m/s e, por essa razão, a área impactada seria muito pouco afetada (Kenkmann et al., 2009). Não foi isso que ocorreu em Carancas.

Tancredi et al. (2009) estimaram a energia do impacto em ~1-3 toneladas de TNT,
apresentando as seguintes conclusões sobre o evento:
1. velocidade inicial: 12 a 17 km/s;
2. velocidade final: 3 a 4 km/s, responsável pela formação da cratera;
3. massa inicial: 7 a 12 t;
4. massa final: 0,3 a 3 t;
5. diâmetro original do meteoróide: 1,6 a 2,0m;
6. diâmetro final do meteoróide: 0,6 a 1,1m;
7. Trajetória do bólido: Azimute de 80-100°, ângulo de incidência entre 45 e 60°;
8. Diâmetro da cratera: 13,5m

A precisão das informações e dados coletados por estações sísmicas, a variedade e coerência de dezenas de testemunhos, as análises da cratera e do material ejetado, e os estudos no próprio meteorito (condrítico H4-5) que produziu a cratera de Carancas propiciaram aos pesquisadores condições nunca antes disponíveis para aperfeiçoamento dos modelos vigentes sobre a aerodinâmica e processos relacionados ao impacto. Apesar desses avanços, é importante considerar a advertência de Tancredi et al. (2009) sobre o uso de médias em vez de uma série de valores para parâmetros essenciais tais como resistência à tração e condições relacionadas ao processo de fragmentação e ablação.

II.4 CLASSIFICAÇÃO DE METEORITOS


II.4.1 Classificações Históricas

A primeira classificação dos meteoritos conhecida diferenciava os férreos dos pétreos e foi proposta por Klaproth em 1807 (Mason 1962). Em 1863 Story-Maskelyne (1870) introduziu nessa classificação o grupo de meteoritos pétreo-férreos, compostos de silicatos embutidos em uma matriz de Fe-Ni. No final do século XIX e início do século XX, dois novos sistemas de classificação foram propostos, independentemente, por Rose (1864), na Alemanha, e Meunier (1909), na França. O sistema proposto por Rose continha 67 tipos de meteoritos, sendo posteriormente ampliado e reformulado por Tschermak (1883) e Brezina (1904). Essa classificação ficou conhecida como o sistema Rose-Tschermak-Brezina. Ela contém 76 diferentes tipos de meteoritos e é baseada na composição mineralógica e características estruturais de dois grandes grupos:
(i) amostras com predominância de silicatos, e que considerava como classes:
(a) acondritos,
(b) condritos,
(c) enstatitos-anortitos e
(d) siderólitos (mesossiderito, grhamite e lodranite).
(ii) amostras com constituintes férreos-metálicos, predominantes ou isolados,
subdivididas também em quatro classes:
(a) litosideritos (palasitos),
(b) octaedritos,
(c) hexaedritos, e
(d) ataxitos.

II.4.2 Classificação de Prior

Prior (1920) criticou a classificação Rose-Tschermak-Brezina devido a multiplicidade de classes e porque suas subdivisões são baseadas principalmente na mineralogia e em propriedades físicas de difícil distinção e com pouca representatividade, tais como a cor da massa e a presença ou ausência de veios na estrutura interna das rochas. Prior notou também imprecisões e erros na identificação de alguns minerais essenciais para a classificação dos condritos e acondritos, como os piroxênios ortorômbicos, genericamente considerados bronzitas, e a augita ser comumente confundida com pigeonita. Esse trabalho crítico resultou na proposta de uma nova classificação, corrigindo as falhas e simplificando o número de classes e subclasses. Com poucas alterações e acréscimos o sistema proposto por Prior (1920) foi utilizado durante mais de oito décadas, haja vista sua simplicidade e precisão na identificação dos minerais responsáveis pela distinção dos 4 grupos e 19 classes principais em que se acha dividido. A Tabela II.1 apresenta simplificadamente a classificação de Prior.


Tabela II.1. Classificação de Meteoritos (Prior 1920), apud Mason (1962).

II.4.3 Classificação de Krot

Nas últimas três décadas, modernos instrumentos tais como microssondas, microscópios eletrônicos e espectrógrafos de massa, aliados a métodos analíticos cada vez mais precisos para determinação e dosagem dos elementos e minerais, proporcionaram um extenso e preciso rol de resultados analíticos provenientes do estudo de milhares de amostras de meteoritos.

Esse contínuo trabalho da comunidade científica resultou no aperfeiçoamento do sistema de classificação de Prior (1920), incorporando novos tipos de meteoritos, a exemplo das rochas lunares e marcianas encontradas principalmente na Antártica e em desertos da África e Oriente Médio. Por outro lado, foram definidos parâmetros primários e secundários para classificar materiais de origem espacial. Assim, Weisberg et al. (2006) e Krot et al. (2005) apresentaram estudos semelhantes sobre o Estado d´Arte referente aos sistemas de classificação de meteoritos vigentes em 2005/2006.

A classificação dos meteoritos utilizada nesta dissertação resulta, portanto de uma atualização da proposta de Prior, realizada por Krot e colaboradores em 2005 (Krot et al. 2005). Ela busca reunir em grupos meteoritos de origem similar, e com histórico de formação parecidos, de forma a revelar prováveis relacionamentos genéticos que apontem para um determinado tipo de asteróide, planeta, satélite ou outro astro como possível fonte primária. São discutidos sucintamente os parâmetros classificatórios, grupos, classes e subclasses propostos. A Tabela II.2 apresenta simplificadamente esta classificação.

Tabela II.2. Classificação Química de Meteoritos, proposta de Krot et al. (2005).


Condritos
A primeira distinção feita nesse sistema separa os meteoritos em condritos e não condritos. Os parâmetros primários utilizados para classificar os meteoritos condríticos são quatro, a saber:

(i) composição química,

(ii) composição isotópica do O,

(iii) composição isotópica e abundância do N e C, e

(iv) estado de oxidação.

De igual forma, os parâmetros secundários também totalizam quatro itens: (i) tipo petrológico, (ii) nível de choque metamórfico, (iii) tipo de brecha, e (d) grau de intemperismo terrestre.

Com base nesses parâmetros os condritos subdividem-se em: (i) Carbonáceos: oito grupos denominados CI, CM, CO, CR, CB, CH, CV e CK onde a primeira letra (C) significa carbonáceo, e a segunda representa o nome do meteorito padrão de cada série: (I) Ivuna, (M) Mighei, (O) Ornans, (R) Renazzo, (B) Bencubbin, (H) ALHA85005, (V) Vigarano e (K) Karoonda.

(ii) Ordinários: O conteúdo total de Fe nos meteoritos condríticos ordinários é utilizado para subclassificar essas rochas em três tipos e cinco níveis representados por letras: H (High/Alto – 25 a 31% Fetotal), L (Low/Baixo – 20 a 25% Fetotal), e LL(Low-Low/Muito Baixo – 19 a 22% Fetotal).
(iii) Enstatitos: A exemplo do tipo ordinário, os enstatitos também subclassificam-se em EH e EL (High-Alto e Low-Baixo) conforme a concentração do elemento Fe em suas massas.
(iv) Semelhantes ao Rumuruti.
(v) Semelhantes ao Kakangari.
(vi) Anômalos.

Dentre os 14.986 meteoritos condritos listados no Catálogo de Meteoritos (Grady 2000) existiam 11 espécimes considerados anômalos e 22 constituindo dois grupos especiais: Rumuruti (19) e Kakangari (3).

Esses grupos que constituem a classe dos condritos são seguidos por um algarismo de 1 a 7 para identificar o tipo petrológico do meteorito, cujas características diferem em razão de alterações provocadas pela hidratação e/ou metamorfismo.

Não Condritos

Por sua vez, os meteoritos não condritos são inicialmente classificados, com base no grau de fusão a que foram submetidos, em:

(i) Primitivos:

(a) Pétreos - denominados acapulcoítos, lodranitos e winonaítos, apresentam sinais de fusão parcial ou de baixa gradação e têm textura acondrítica com evidência de metamorfismo do mais alto nível.

(b) Férreos - contêm inclusões silicáticas com textura, grau de fusão, nível de metamorfismo e composições químicas similares aos pétreos desse grupo.

(ii) Diferenciados.

De acordo com a abundância da liga Fe-Ni, são subdivididos em:

(a) Acondritos: que têm muito pouco ou nenhum conteúdo metálico - são considerados os angritos, aubritos, brachinitos, ureílitos, HED (howarditos, eucritos, diogenitos), além das rochas de origem marciana (SNC) e lunar. Dezessete meteoritos acondritos não puderam ser agrupados e são considerados anômalos;

(b) Pétreos-férreos: subdividem-se em palasitos (grupo principal, tipo Eagle Station e piroxênicos) e mesossideritos.

(c) Férreos: essa classe é composta por 14 grupos designados com uma sigla composta por um número romano de I a IV seguido por uma ou duas letras, de A a G, conforme nomenclatura proposta por Wasson (1974). Nada menos do que 111 meteoritos férreos (16%) de um total de 709 não puderam ser classificados nesses 14 grupos, sendo considerados anômalos.

A mineralogia, em especial a predominância e proporções de certos minerais (principalmente olivina, ortopiroxênio, clinopiroxênio, plagioclásio e diopsídio), e a relação percentual entre o conteúdo de elementos-chave como Ni e Ga, Ni e Ge, Ni e Ir, Ni e As, Ni e Au), proporcionam informações para outras subdivisões e agrupamentos.

II.5 METEORITOS FÉRREOS DIFERENCIADOS


As características dos meteoritos não condritos, férreos, diferenciados, são aqui discutidas com mais detalhamento do que os outros tipos de rochas e massas de Fe-Ni espaciais apresentadas nos parágrafos anteriores, haja vista que o meteorito Bendegó, objeto principal desta dissertação, pertence a esta classe.

A hipótese mais consistente referente à formação da maioria dos meteoritos férreos tem como base de sustentação processos de diferenciação química de um líquido de natureza condrítica (Wasson e Kallemeyn 2002, Wasson et al. 2007, Haack e McCoy 2005). Acredita-se que, a aproximadamente 900ºC, o metal existente nesse líquido primitivo formou uma solução sólida de Taenita [(Ni,Fe)] e Kamacita [(Ni,Fe)]. A composição química final do meteorito depende do conteúdo original de Ni uma vez que a solução sólida exsolve-se por difusão de átomos desse elemento, sendo mais vigorosa a temperaturas elevadas e cessando por volta dos 400ºC (Fig. II.4). O crescimento dos cristais de Kamacita e Taenita é função da taxa de resfriamento da liga Fe-Ni. A largura das lamelas da Kamacita é utilizada em modelos para cálculo do tempo que a solução sólida levou para resfriar até os 400ºC, permitindo assim inferir a profundidade e tamanho do astro que abrigava a massa metálica.

As lamelas de Kamacita crescem em áreas específicas dos cristais da Taenita, truncando a matriz cúbica cristalina em ângulos de 45º nos oitos pontos de junção das


Figura II.4. Diagrama de estabilidade de fases Fe-Ni mostrando os campos de estabilidade da kamacita, taenita e taenita+kamacita.


Figura II.5. Padrão de Widmanstatten. (A) Meteorito Rica Aventura (Chile), coleção Michael Farmer (Norton 2008). (B) Meteorito Bendegó (Bahia, Brasil), coleção Museu Geológico da Bahia.

arestas. Quando uma área do meteorito metálico é polida e atacada por ácido, aparecem linhas claras e escuras formando um arranjo geométrico denominado Padrão de Widmanstätten, conforme visto em fatias dos meteoritos Rica Aventura (Fig. II.5A, grupo IVA, Of, Norton e Chitwood 2008) e Bendegó (Fig. II.5B, grupo IC, Og).
A partir das hipóteses para a formação destas rochas, existem dois sistemas de classificação para os meteoritos férreos: estrutural e químico.

A classificação estrutural (Tabela II.3) é conhecida desde o final do Século XIX estabelecendo três grandes grupos: hexaedrito, octaedrito e ataxito, e baseia-se no conteúdo de Ni e na largura das lamelas de Kamacita que podem variar de 0,2 a mais de 50 mm (Fig. II.5). O grupo dos octaedritos, por sua vez, subdivide-se em seis subgrupos conforme a largura das lamelas: (i) muito grosso, (ii) grosso, (iii) médio, (iv) fino, (v) muito fino, e (vi) plessítico. O meteorito Bendegó, de acordo com esta classificação, é um octaedrito grosso (Tabela II.3).

A classificação química dos meteoritos férreos foi desenvolvida a partir dos anos 50 por Lovering et al. (1957). Esse trabalho foi seguido por estudos de John Wasson e colaboradores da Universidade da Califórnia, Los Angeles, que analisaram a química da grande maioria dos meteoritos férreos por INAA e, em uma série de doze (12) artigos (Wasson 1967, 1969, 1970; Wasson e Kimberlin 1967; Wasson e Schaudy 1971; Wasson et al. 1989, 1998; Schaudy et al. 1972; Scott et al. 1973; Scott e Wasson 1976; Kracher et al. 1980; Malvin et al. 1984), estabeleceram 14 grupos co-genéticos, produzindo um banco de dados para a química e classificação dos meteoritos férreos. Essa classificação tem por base o conteúdo de Ni e sua correlação com a concentração dos elementos-traço Ge, Ga e Ir. Além desses elementos utiliza-se adicionalmente a concentração do Au, As, P, e Sb para resolver casos em que ocorre superposição de áreas nos gráficos. Para elaboração desta classificação foram analisados mais de 650 meteoritos, utilizando-se a técnica de Ativação por Irradiação de Nêutrons (INAA) e análises de microssonda e microscopia eletrônica para cálculos do conteúdo de Ni nos cristais de Kamacita e Taenita e compará-los com as larguras das bandas de kamacita nas ligas Fe-Ni.

Os grupos co-genéticos de meteoritos férreos obedecem a uma nomenclatura representada por algarismos romanos (de I a IV), que identificam quatro grandes classes criadas por Lovering et al. (1957) após analisar as concentrações de Ga, Ge e Ni em 88 meteoritos. Wasson (1967, 1969, 1970, 1974), Wasson e Kimberlin (1967), Wasson e Schaudy (1971), Wasson et al. (1998), Schaudy et al. (1972), Scott e Wasson (1976), Scott et al. (1973), Kracher et al. (1980), mantiveram as quatro classes originalmente propostas

Tabela II.3. Classificação estrutural dos meteoritos férreos, referenciados aos grupos químicos (após Norton 2008). A tarja cinza indica o grupo classificatório do Meteorito Bendegó.

Tabela II.4. Classificação química dos meteoritos férreos. A tarja cinza indica o grupo classificatório do Meteorito Bendegó.

por Lovering, acrescentando letras maiúsculas para diferenciar os grupos genéticos encontrados (Tabela II.4). Existem ainda cerca de 100 meteoritos que não puderam ser enquadrados em nenhum dos grupos co-genéticos, sendo classificados como anômalos ou não-agrupados. Outros 110 meteoritos férreos até 2008 (Norton e Chitwood 2008) não haviam ainda sido classificados. Acredita-se que cada um destes grupos químicos reflita uma origem comum, a partir de um mesmo corpo parental.

O grupo mais numeroso é o IIIAB com 233 espécimes, seguido pelos grupos IAB com 125, IID com 117, e IIAB com 106 exemplares. Estes 4 grupos representam mais de 2/3 (75%) de todos os meteoritos férreos catalogados até 1999 (Grady 2000).

Segundo Wasson e Kallemeyn (2001) os grupos IIAB, IIIAB e IVA (assim como os grupos IC, IIC, IID, IE, IIF, IIIE, IIIF e IVB) foram formados por processos de cristalização fracionada de um magma que se resfriou muito lentamente. Meteoritos gerados por esse processo são definidos como magmáticos. A origem dos meteoritos dos grupos IAB e IIICD, considerados não magmáticos, ainda é assunto em discussão, admitindo-se que tenham sido formados a partir de líquidos gerados por impactos, haja vista não apresentarem significativos efeitos dos processos de partição sólido/líquido.

Distingue-se nesta classificação a subdivisão dos meteoritos férreos em magmáticos (ou diferenciados) e não-magmáticos (ou primitivos), o que permite associá-la à classificação de Krot et al (2005). Norton (1994) definem meteoritos magmáticos como “aqueles cuja inclinação das linhas de tendência de seus elementos em relação ao Ni são consistentes com a possibilidade de terem sido formados por cristalização fracionada”. Dodd (1986) esclarece que os meteoritos férreos magmáticos são aqueles formados através da cristalização fracionada de magmas lentamente resfriados, enquanto os não magmáticos foram formados através da segregação de cristais, em líquidos rapidamente resfriados, e contêm abundância de inclusões silicáticas.

II.5.1 Meteoritos do Grupo IC

O grupo IC de meteoritos férreos foi individualizado na década de 1970 (Scott e Wasson 1976), sendo caracterizado por teores de Níquel variando de 6,1 a 6,8% (Tabela II.4). Este grupo ainda é muito pouco estudado e inclui o meteorito Bendegó e mais dez espécimes (Tabela II.5, Scott 1977, Kracher et al. 1980). Em termos de mineralogia, Scott (1977) reporta neste grupo a abundância de Coenita com inclusões de Kamacita e Taenita. Inclusões de Troilita (FeS) são comuns nos IC, assim como foram encontradas diminutas quantidades do nitreto de cromo, Carlsbergite (CrN).

Tabela II.5. Análises geoquímicas para os meteoritos férreos do grupo IC (dados de Wasson 1974, Scott e Wasson 1976, Scott 1977, Kracher et al. 1980). As análises estão apresentadas em ordem crescente do teor de níquel.

Ainda segundo Scott (1977), a textura mineral dos espécimes do grupo IC é muito variada, dificultando a utilização de modelos para cálculo da taxa de resfriamento baseados na largura das lamelas de Kamacita e conteúdo de Ni. Segundo esse autor uma tentativa realizada para os meteoritos Arispe e Bendegó, utilizando o método Goldstein-Short, forneceu uma taxa de resfriamento de 3ºC/Ma e 9ºC/Ma, respectivamente. O método de Wood aplicado ao meteorito Arispe resultou em uma taxa de resfriamento de 8ºC/Ma. Esses resultados são coerentes com os limites de taxas de resfriamento para meteoritos do tipo octahedritos, entretanto outros exemplares desse grupo, como o Santa Rosa, apresentaram taxas de resfriamento da ordem de 10ºC/Ma.

As taxas de resfriamento a partir dos 900ºC encontradas por Scott (1977) em dez meteoritos do grupo variam de 1º a 10ºC/Ma. Segundo esse autor, essa variação não se correlaciona com o fracionamento químico do Ni, Ga, Ge, Au, As, Ir e W, sugerindo que as massas que deram origem a esse meteorito resfriaram-se a profundidades diferentes em um mesmo astro, requerendo assim a atuação de algum mecanismo para redistribuí-las. Essa redistribuição pode ter sido causada por um grande impacto que fragmentou o astro parental e dispersou em diferentes profundidades fragmentos de seu núcleo ainda quente.

II.6 METEORITOS DO BRASIL

A primeira relação de meteoritos brasileiros existentes no Museu Nacional foi compilada por Derby (1888) e contava com apenas 7 (sete) espécimes: Angra dos Reis (rocha), Bendegó, Itapicuru-Mirim, Macau, Minas Gerais, Santa Bárbara e Santa Catharina (Zucolotto et al. 2000). Dois novos meteoritos, o Uberaba e o Santa Luzia de Goiás, foram incorporados a essa lista, respectivamente, por Oliveira (1931) e Vidal (1936). Gomes e Keil (1980) estudaram e reuniram em livro dados sobre todos os meteoritos pétreos então existentes na coleção brasileira. Em 2000, a coleção do Museu Nacional incluía 39 espécimes de um total de 50 reportados em todo o território nacional (Zucolotto et al. 2000).

Em dezembro de 2009 atingiu-se a marca de 57 exemplares oficialmente reconhecidos no Brasil, após depuração de registros do Catálogo de Meteoritos (Grady 2000) e do banco de dados mantido na WEB pela Meteoritical Society, onde constam entradas de meteoritos duvidosos (registrados apenas por citações e sem evidência física de suas existências) ou em duplicidade, porém com nomes diferentes, como o meteorito Cacilândia, proveniente da mesma queda do meteorito Paranaíba, conforme apurado pela Dra. Zucolotto através de novas análises químicas comparativas realizadas em 2009 (comunicação pessoal).

Figura II.6. Distribuição dos achados e quedas de meteoritos em território brasileiro.

Tabela II.6. Relação dos Meteoritos Brasileiros reconhecidos oficialmente até 2009. (Q) Queda, (A) Achado.

Tabela II.6. Relação dos Meteoritos Brasileiros reconhecidos oficialmente até 2009. (Q) Queda, (A) Achado (continuação).

Analisando-se as características dos 57 meteoritos (Fig. II.6, Tabela II.6) destaca-se que:

(i) Os achados (61,4%) superam as quedas (38,6%).

(ii) A quantidade de meteoritos pétreos (27) e de metálicos (30) é quase igual, correspondendo a 47,4% e 52,6% do total, respectivamente.

(iii) Nenhum dos 30 meteoritos metálicos teve a queda observada.

A quantidade de meteoritos provenientes de Minas Gerais (19) corresponde a 33,33% ou seja 1/3 do total da coleção brasileira, superando em muito a Bahia, Goiás e Rio Grande do Sul, que ocupam a segunda posição com 5 meteoritos (8,77%) cada um. Estão ausentes da relação nada menos do que 14 das 26 unidades federativas (excluindo-se o DF).

Excluindo-se a Argélia e Líbia, países onde grandes desertos favorecem o achado de meteoritos, o Brasil ocupava em 2000 a nona posição entre as dez nações que tinham mais de 50 meteoritos caídos ou achados dentro de suas fronteiras (Grady 2000). Considerando a extensão territorial brasileira (8,5 milhões de km) essa quantidade de meteoritos é irrisória. Em países com áreas semelhantes à nossa, como Estados Unidos (9,8 milhões de km, 1.214 meteoritos), Austrália (7,7 milhões de km, 507 meteoritos), o número é mais de 10 vezes superior. Países como o México (2,0 milhões de km, 92 meteoritos), Argentina (2,8 milhões de km, 62 meteoritos), e mesmo a França (com apenas 544 mil km, 62 meteoritos) contabilizam números superiores aos nossos em suas coleções.

Admite-se como premissa que a queda de meteoritos ocorre uniformemente em todas as regiões do globo terrestre (Halliday et al. 1989, Halliday 2001) e que a distribuição dos meteoróides no sistema solar é inversamente proporcional à massa desses corpos. Com base nestas premissas são construídos modelos para estimar o número de quedas de meteoritos por ano em uma área de 10 km (Halliday et al. 1989). Estes cálculos sugerem a ocorrência de 83 eventos por 10 km/ano, ou seja, a probabilidade de uma queda de um meteorito com mais de 10g, a cada 10.000, anos por km2 da superfície terrestre. Usando uma metodologia diferente, que considera adicionalmente a combinação de condições de intemperismo e estatísticas de exemplares recuperados, Brand (2001) propôs uma taxa de queda de meteoritos entre 36-116 eventos/ano em cada 10 km.

Aplicando-se a taxa de queda de meteoritos proposta por Halliday et al. (1989) à área do Brasil a probabilidade é de que tenhamos aproximadamente 85 eventos por ano, um número que em muito excede toda a coleção acumulada ao longo dos últimos dois séculos, e chama a atenção para a urgente necessidade de pesquisas voltadas a esta temática, e desenvolvimento de políticas que permitam recuperar um maior número de amostras.



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Wilton Pinto de Carvalho
E-mail:wilton@bendego.com.br
Instituto de Geociências - Universidade Federal da Bahia