VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os trabalhos acadêmicos no Brasil sobre meteoritos são raros e em nossas
universidades ainda não existem centros de estudos dedicados às rochas e fragmentos de
ferro e níquel de origem cósmica. A pequena quantidade de meteoritos (57) que integram a
coleção brasileira e a quase inexistente bibliografia em português são indícios de que o tema
não tem merecido a devida atenção no ambiente universitário.
Tomemos como exemplo a quantidade de meteoritos coletados em Minas Gerais: são 19
(dezenove) exemplares, ou seja, 33% do total da coleção brasileira e mais de seis vezes a
quantidade encontrada na Bahia e Rio Grande do Sul, cada um com cinco espécimes. É
provável que esse desempenho de Minas Gerais deva-se à intensa atividade de mineração no
Estado e à presença de garimpeiros e geólogos em proporções maiores que em outras
unidades da Federação. Outro fator que reforça essa suposição é a existência há décadas de
universidades no interior do Estado e um maior nível de conhecimento da população sobre
minerais e rochas. No Brasil, de modo geral, as pessoas não têm sido informadas sobre a
importância dos meteoritos, e tem conhecimentos muito limitados sobre a origem do
Universo, do Sol, e de seus astros coadjuvantes.
O meteorito Bendegó é um excelente exemplo disto. Sua descoberta é um fato bem
documentado, assim como as tentativas frustradas que objetivaram transportá-lo para
Salvador em 1784 e 1785 (Anexo 2). Em 1811 já se suspeitava que aquela massa de Fe-Ni
era um meteorito (Mornay, 1816), entretanto, apenas em 1816 foram publicadas suas
primeiras análises químicas e estruturais realizadas na Inglaterra (Wollaston, 1816). A
expedição de 1887/1888 (Carvalho, 1888) que levou esse meteorito para o Rio de Janeiro
atendia ordens diretas do Imperador D. Pedro II que visavam cumprir recomendação de
cientistas europeus a respeito da importância desse visitante extraterreste. O sucesso da
expedição e seus épicos trabalhos mereceram o reconhecimento do mundo científico do final
do século XIX que culminaram com a exposição de uma réplica do meteorito, confeccionada
em madeira, na Exposição Universal de Paris, de 1889. Apesar disto, mesmo no meio
acadêmico, o Bendegó é pouco conhecido e pouco estudado.
Ao finalizar este trabalho de mestrado o autor acredita ter alcançado cinco objetivos
básicos que se propôs desenvolver sobre o meteorito Bendegó, destacando-se as seguintes
ações e resultados para cada um deles:
VI.1. REVISÃO HISTÓRICA E POPULARIZAÇÃO DO TEMA
A história do maior meteorito brasileiro foi resgatada e novos documentos históricos
foram trazidos à luz, analisados e incluídos na dissertação. A divulgação da meteorítica no
meio acadêmico e em instâncias mais populares contabilizou sucessos, a exemplo do
Programa de Recuperação, Identificação e Registro de Meteoritos – PROMETE, apoiado pela
FAPESB e implantado no Departamento de Geoquímica do Instituto de Geociências da UFBA;
a apresentação e publicação de trabalhos do autor em congressos e simpósios de Geologia e
encontros de Astronomia nos anos de 2007, 2008 e 2009 (Anexos 3.1 a 3.6); a realização
de exposição específica sobre meteoritos em um shopping center de Salvador durante a
Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em 2009; e a criação e impressão de uma cartilha
em quadrinhos (Anexo 3.7) intitulada “Bendegó, um Visitante do Espaço.” Esses esforços de
divulgação da meteorítica vieram comprovar uma grande carência por parte da população
baiana sobre o tema e a necessidade de se ampliar as ações voltadas para a popularização
da ciência, em especial a divulgação de informações sobre os meteoritos.
VI.2. CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA DO LOCAL DO ACHADO
Através de três missões de campo e estudo dos mapas geológicos da área constatou-se
que o local do achado está localizado em terrenos arqueanos, gnáissicos-migmatíticos do
Complexo Metamórfico Uauá (CMU), na porção Norte do Núcleo Serrinha. Nesta área o
embasamento é formado por rochas do pré-cambriano médio/inferior, da unidade inferior do
CMU, predominando os gnaisses bandados, com xistosidade bem desenvolvida e orientação
NNW-SSE (Inda et al. 1976, Rios et al. 2009). O local do achado do meteorito Bendegó
também foi caracterizado geograficamente, disponibilizando-se nesta dissertação um mapa
de localização e acessos.
VI.3. REVISÃO DA PETROLOGIA E GEOQUÍMICA DO BENDEGÓ
Foi realizada uma compreensiva revisão dos trabalhos publicados entre 1896 e 2009
sobre o meteorito Bendegó, destacando-se os estudos de Derby (1896), Buchwald (1975) e
Scott (1977), voltados para análises petrográficas e geoquímicas. Complementarmente,
foram feitas novas análises químicas através de ICP-MS e INAA, além de novos estudos
petrográficos da massa principal e de amostras do meteorito, constatando-se grande
coerência entre os resultados apresentados em trabalhos prévios e os atuais.
Na mineralogia do Bendegó constatou-se o predomínio dos minerais Kamacita, Taenita e
Plessita (ligas de Fe-Ni), figurando como acessórios a Troilita (FeS), os polimorfos
Schreibersita e Rabdita
, a Coenita
e a Cromita
. A análise
do padrão Widmasttaten do meteorito revelou lamelas de Kamacita com espessura média de
1,8 mm, típica do grupo estrutural Octaedrito Grosso. A microscopia eletrônica de varredura
destacou linhas de Neumann bem definidas e sugestivas de deformação mecânica sofrida
pelo meteorito em algum estágio de sua jornada cósmica.
As análises geoquímicas prévias e os resultados atuais apresentaram teores de Ni, Ga,
Ge e Ir característicos dos meteoritos do Grupo IC, conforme classificação proposta por Scott
(1977) para o meteorito Bendegó. Pela primeira vez, analisou-se através de INAA uma
amostra do óxido de ferro resultante do intemperismo sofrido pelo meteorito, constatando-se
a presença de Ni, Ir, Au e Co em teores menores que os encontrados na massa principal,
porém suficientemente altos para sugerir que esse óxido de ferro é originário dela.
VI.4 AVALIAÇÃO DOS POSSÍVEIS EFEITOS DO IMPACTO
A geomorfologia da área estudada não apresenta indícios de formações circulares ou
elípticas conforme observações levadas a efeito em três missões de campo e através de
análises de fotografias de satélites.
Estudos petrográficos processados em 14 (quatorze) lâminas delgadas de amostras de
rochas coletadas no local do achado não apresentaram formações planares de deformação
(PDFs), geralmente associadas a impactos de grande intensidade.
Esses dois fatos, aliados à ausência de brechas e de rochas com sinais de fusão
sugerem que o impacto do meteorito Bendegó não produziu cratera, entretanto,
considerando-se o tempo decorrido entre a queda e o achado desse meteorito (122±27 ka,
Lavielle et al., 1999) é possível que a massa tenha atingido uma cobertura sedimentar
escavando-a até atingir o embasamento migmatítico-gnaíssico onde o corpo foi encontrado,
deixando atrás de si um grande buraco, totalmente erodido no decorrer dos séculos.
Conforme visto no Capítulo II, embora a cratera produzida pela queda do meteorito
Carancas em 2007 tenham evidenciado falhas nos atuais modelos construídos para avaliar a
dinâmica da passagem de meteoróides pela atmosfera terrestre e deduzir os efeitos gerados
pelos respectivos impactos, utilizamos o estudo de Collins et al. (2005) para simular duas
situações possíveis para o meteorito Bendegó:
VI.4.1 Formação de cratera que foi erodida ao longo dos séculos
Segundo esse modelo, adotando-se como premissas uma massa de ferro-níquel com 3
m de diâmetro e uma velocidade de entrada equivalente a 13 km/s, não se fragmentaria
durante sua passagem pela atmosfera se o ângulo de incidência fosse igual a 45°.
Nestas condições, esse corpo conservaria aproximadamente 50% de sua velocidade
inicial e seu impacto em rochas cristalinas criaria uma cratera final com 125 m de diâmetro e
26 m de profundidade. O choque não produziria radiação térmica e as ondas sísmicas (2,4
na escala Richter) seriam imperceptíveis a uma distância de 1 km do ponto zero. Pouca ou
nenhuma fusão ocorreria nas rochas impactadas, haja vista a redução de 50% da velocidade
inicial do meteoróide, entretanto o choque seria suficientemente forte para fragmentar o
alvo, criando uma camada de brechas com no máximo 12,3 m de espessura.
VI.4.2 Formação ou não de cratera(s)
As premissas adotadas para essa segunda hipótese, são as mesmas acima, alterando-se
apenas o tipo de rocha impactada (sedimentar, em vez de cristalina) e a velocidade de
entrada que passaria a ser 14 km/s.
O meteoróide se fragmentaria a uma altitude de 5.230 m, mantendo apenas 24% de
sua velocidade inicial. Grandes fragmentos atingiriam a superfície podendo ou não criar
“crateras” (provavelmente buracos) de diversos tamanhos dispostas em um campo elíptico
(strewn field) e que podem ter sido completamente erodidas.
Relatos históricos sobre o achado do meteorito falam apenas de uma grande massa,
não mencionando quaisquer outros fragmentos. Decorridos 226 anos desde o seu achado
têm-se notícia de apenas dois pequenos pedaços pesando menos de 1 kg achados a cerca
de 40 cm de profundidade por um caçador de meteoritos do Rio Grande do Sul, Sr. José
María Monzôn, usando detectores de metal para varredura em volta do provável local do
impacto.
Tendo em vista a ausência de indícios macro e microscópicos de formação de cratera e
levando em conta que as simulações apontam para um choque a velocidade hipersônica,
cuja energia seria suficiente para escavar a superfície de impacto, sugerimos a realização de
estudos geofísicos no local do achado para verificar a existência ou não de indícios de
deformações que possam estar gravadas no embasamento.
VI.5 ESTUDOS ISOTÓPICOS SOBRE O METEORITO BENDEGÓ
Pela primeira vez um meteorito férreo do Grupo IC foi analisado para determinação das
concentrações e razões isotópicas dos elementos Re e Os. Esse estudo foi processado na
Universidade de Maryland, Estados Unidos e seus resultados permitiram a elaboração de um
diagrama representando as concentrações dos elementos siderófilos (Re, Os, Ir, Ru, Pt e
Pd), normalizadas para o meteorito carbonáceo Ivuna, encontrados em sete amostras do
meteorito Bendegó coletadas de diferentes partes da massa original.
Não foi possível construir uma isócrana que incluísse as concentrações de Re e Os do
meteorito Bendegó haja vista dificuldades para se obter amostras de outros meteoritos do
Grupo IC, todavia os dados isotópicos gerados para o maior representante desse grupo
representa o primeiro passo em direção a estudos mais complexos quando houver
disponibilidade de amostras de outros exemplares dessa família de meteoritos férreos.
VI.6 CONCLUSÕES
Ao propor o desenvolvimento desta dissertação o autor, que convive com o tema há
mais de 20 anos, vislumbrava a sensibilização do corpo docente e discente do Instituto de
Geociências da UFBA para a meteorítica, uma nova ciência estabelecida a partir dos estudos
de material extraterrestre que atinge nosso planeta diariamente. Essa perspectiva foi
plenamente preenchida ao longo dos últimos três anos, haja vista a criação, no
Departamento de Geoquímica, de um programa para recuperação, identificação e registro de
meteoritos conhecido pela sigla PROMETE e que conta com apoio financeiro da FAPESB.
Graças ao PROMETE foi possível realizar uma grande exposição de rochas e fragmentos de
ferro de origem espacial que aconteceu em um shopping center de Salvador, durante a
Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2009 e imprimir uma cartilha educativa sobre
meteoritos (anexo 3.7). O vivo interesse da população por esse evento e sua divulgação
pelos jornais (anexo 1), televisões e rádios comprovaram a necessidade de ações que visem
a popularização da ciência, como o PROMETE, fruto desse trabalho de mestrado, se propõe
fazer. Esse trabalho propiciou também a divulgação da meteorítica através de painéis e
apresentações orais no 44° Congresso Nacional de Geologia, 23° Simpósio de Geologia, 10°,
11° e 12° Encontro Nacional de Astronomia (anexo 3), além da participação do autor como
instrutor de um curso de extensão sobre astronomia realizado pelo Instituto de Física da
UFBA em 2007, 2008 e 2009.